
Direitos das torcidas e dos torcedores organizados
Certamente você já ouviu falar em direito do trabalho, direito do consumidor e direito do idoso, não é mesmo? Portanto, falar em direitos das torcidas e dor torcedor organizado pode ter causado alguma estranheza. Acontece que todos esses direitos que citamos acima são um conjunto de normas legais aplicáveis a um ramo do direito ou a um determinado grupo de indivíduos, como no caso dos idosos e das crianças e adolescentes.
No que se refere às torcidas e ao torcedor organizado esses direitos estão difusos em nosso sistema jurídico e podem ser encontrados tanto na Constituição Federal, nossa lei maior, quanto no Estatuto do Torcedor, considerando que esse estatuto não trata especificamente do torcedor organizado e sim de todos os torcedores.
É o caso concreto que irá atrair este ou aquele dispositivo legal aplicável. Por exemplo, um torcedor do Flamengo usando uma camisa de uma torcida organizada com a palavra “antifascista” teve que esperar autorização da Polícia Militar para poder entrar no estádio pois o segurança de uma empresa privada teve dúvidas quanto a legalidade da conduta deste torcedor. Tal postura ofende a Constituição em um de seus mais valiosos artigos que trata justamente dos Direitos Fundamentais. A liberdade de expressão é um desses direitos, consagrado no inciso IV do Artigo 5º, na seguinte forma: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”
Ora, se o direito a manifestação do pensamento é livre, a utilização de uma camiseta com escritos que não ofendam a honra nem a integridade de ninguém não podem representar um óbice a entrada em um evento esportivo. É a Constituição que diz isso. Há sim uma ampla discussão sobre a exibição de suásticas e símbolos nazistas, mas não é esse o foco de nossas palavras, ao menos por enquanto.
Nem a autoridade policial e muito menos a segurança privada podem agir no sentido de impedir a entrada de qualquer torcedor por usar esse ou aquele símbolo, escudo, lema, hino ou qualquer dizer por que não há censura prévia. Essa postura nem é novidade pois segundo o pesquisador Luiz Henrique Toledo em seu livro Políticas da Corporalidade: socialidade torcedora entre 1990-2010 na véspera da eleição presidencial de 1989 no jogo entre Vasco x São Paulo que decidiria o campeonato nacional daquele ano muitos torcedores ostentavam broches em forma de estrela vermelha em referência a um dos candidatos e tais objetos eram arrancados pelos policiais que diziam: “– Nada de estrelinha!”
Um episódio bastante traumático para os torcedores mineiros foi a morte do torcedor cruzeirense Eros Dátilo, em 27 de outubro de 2016, dentro do estádio do mineirão. Embora as suspeitas recaiam sobre uma ação violenta por parte dos seguranças, noticiou-se que a causa da morte teria sido um choque elétrico que vitimou o torcedor, dentro de uma das salas do estádio. Em qualquer das hipóteses a responsabilidade civil sobre o ocorrido é determinável e um pedido de indenização poderia ser dirigido ao organizador do evento, ao clube mandante e a empresa privada contratada ou a todos os envolvidos dependendo do que se conseguisse provar em um eventual processo. Estamos falando, em tese, de direitos que podem ser encontrados no Código Civil, mais precisamente em seu artigo 186 que prevê que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Com fundamento nesse dispositivo legal, a família do torcedor poderia pleitear uma indenização em dinheiro pois o torcedor era casado e com filhos. Havia fundamento para uma indenização por dano moral e ainda uma reparação material caso restasse provado que Eros sustentava a família com seus ganhos.
Como se percebe através desses dois exemplos comentados, são vários os direitos que as torcidas e os torcedores organizados podem invocar na defesa de seus interesses e esses direitos podem ser encontrados em vários códigos, estatutos e até na Constituição Federal. É o fato concreto que vai atrair este ou aquele dispositivo legal visando a proteção desses interesses. Cabe a todas as torcidas adotarem uma postura mais ativa e combativa indo ao Poder Judiciário para que este se posicione frente às aparentes ilegalidade cometidas antes, durante e após os eventos esportivos.